segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

MILITAR SOROPOSITIVO DISPENSADO DA MARINHA DO BRASIL É REINTEGRADO COMO 03ª SARGENTO

O Juiz da 05ª Vara Federal do Rio de Janeiro condenou nesta data a União a proceder com a reintegração do ex-militar portador do vírus da AIDS.

História

O Autor apresentou-se para prestar o serviço militar obrigatório na Marinha do Brasil, e após a realização de vários exames de sangue, foi o mesmo diagnosticado com o vírus da AIDS vindo a ser posteriormente dispensado do serviço militar obrigatório, mesmo já encontrando-se em lista para o enganjamento.

Após sua dispensa procurou o Dr. Douglas Moreira da Silva para que o mesmo ingressasse com a ação judicial requerendo seu reingresso as forças armadas, bem como, sua elevação de posto, passando de soldado para 03º Sargento da Marinha. 

Nesta data foi publicada a sentença julgando procedente o pedido de reintegração a Marinha do Brasil, bem como, seja o Autor inserido em nova patente, agora como 03º Sargento, devendo ser os valores dos soldos pagos desde a data da dispensa. 

A União ainda pode apresentar recurso.
O número do processo foi suprimido, visando a proteção dos envolvidos. 


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AÇÃO JUDICIAL DE PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO             SENTENÇA TIPO A
AUTOS DO PROCESSO NÚMERO: xxxxxxx-xx.2015.4.02.5101
NUMERAÇÃO ANTIGA: 2015.51.01.047xxx-x
AUTOR:
E M D S
RÉ:
UNIÃO FEDERAL            
JUIZ FEDERAL:
FIRLY NASCIMENTO FILHO

S E N T E N Ç A

E M D S, devidamente qualificado na petição inicial, propôs a presente ação judicial em face da UNIÃO FEDERAL, objetivando a sua reintegração na Marinha do Brasil e a sua  reforma militar com proventos de 3º. Sargento, bem como, indenização por dano moral.  Com a petição inicial vieram os documentos de fls. 8/23.
Pelo Juízo foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela, como se verifica às fls. 28/30.
A parte ré informou ao Juízo que interpôs agravo contra a decisão de fl. 30, conforme petição de fl. 43.
A contestação foi apresentada às fls. 59/72, devidamente instruída com as peças de fls. 73/87.
A tutela antecipada concedida foi anulada pelo órgão recursal, nos termos das peças de fls. 94/95.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É O RELATÓRIO.  PASSO A DECIDIR.
Pretende o Autor a sua reintegração na Marinha do Brasil para, ato contínuo, ser reformado por conta da doença que o acometeu (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS), com remuneração correspondente ao posto de 3º. Sargento. Pretende, ainda, o recebimento de indenização por dano moral.
Alega, grosso modo, que foi dispensado do serviço militar apesar de ter sido diagnosticado como portador do vírus da AIDS e crê que a sua situação lhe assegura o direito à reforma militar, com proventos correspondente à graduação imediata.
O litígio envolve, então, a possibilidade de o Autor obter a sua reintegração e reforma militar por ser portador do vírus da AIDS (HIV).
Um dos princípios basilares a ser seguido pela Administração Pública é o da legalidade estrita. Sobre o tema, MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO, professora de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo, afirma:
(...)
Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite; no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a idéia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (1989:78) e corresponde ao que já vinha explícito no artigo 4o. da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: ¿ a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei. (Direito Administrativo, editora Atlas, São Paulo, 1993, p. 59).
Nessa trilha, deve ser verificado se a pretensão autoral se alinha com as normas legais aplicáveis à espécie.
De acordo com a Lei n. 7670/1988, é assegurado aos militares acometidos pela Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA a sua reforma militar no posto hierarquicamente superior (art. 1º, inciso I, alínea c).
Lei n. 7670/1988:
Art. 1º  A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS fica considerada, para os efeitos legais, causa que justifica:
I  -  a concessão de:
(...)
C)  reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980;

Lei n. 6880/80:
Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em consequência de: 
(. . .)
V -  tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante,cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, neuropatia 
Como se observa, há previsão legal expressa que ampara o direito do Autor à reforma militar pretendida.
Tal entendimento já se encontra, inclusive, pacificado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ, como se verifica abaixo:
..EMEN: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. SERVIDOR MILITAR. VÍRUS HIV. PORTADOR ASSINTOMÁTICO. INCAPACIDADE DEFINITIVA. INCAPACIDADE PARA AS ATIVIDADES CASTRENSES. DIREITO À REFORMA. CRITÉRIO PARA FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. JUROS DE MORA DEVIDOS PELA FAZENDA PÚBLICA. LEI 11.960/09, QUE ALTEROU O ARTIGO 1º-F DA LEI 9.494/97. NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO. 1. Não hà ofensa ao artigo 535, II, do CPC, pela inexistência no julgado recorrido do vício apontado. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o militar, portador do virus HIV, tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente imediato, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS. 3. A redefinição do quantum estabelecido para a verba honorária implica reexame de matéria de fato pois, na linha da orientação desta Corte, a valoração da justiça na fixação dos honorários advocatícios diz com as circunstâncias próprias da causa, sendo incabível sua reapreciação na via do recurso especial. Súmula n. 7/STJ. 4. A jurisprudência desta Corte possui entendimento segundo o qual o art. 1º - F da Lei nº 9.494/97, acrescido pela MP nº 2.180-35/2001, que rege os juros de mora nas condenações impostas à Fazenda Pública, tem aplicação imediata, independentemente da data de ajuizamento da ação judicial, com base no princípio tempus regit actum. 5. Recurso especial parcialmente provido. ..EMEN: (STJ, 2ª. T, RESP 201201925768, REL DES CONVOCADA TRF3 DIVA MALERBI, DJE 23/11/2012 DTPB).

..EMEN: ADMINISTRATIVO. MILITAR PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE DEFINITIVA. REFORMA. POSSIBILIDADE. 1. A discussão trazida nos autos refere-se ao direito de reforma por incapacidade definitiva do militar portador do vírus HIV, ainda que assintomático. 2. O Tribunal de origem concluiu que: "a sorologia positiva do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) em si não acarreta prejuízo à capacidade laborativa de seu portador". 3. O acórdão a quo está em desacordo com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, de que o militar portador do vírus "HIV" tem o direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente imediato, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS. 4. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (STJ, 2ª. T, AGRESP 201100664190, REL MIN HERMAN BENJAMIN, DJE 1º/9/2011 DTPB).

..EMEN: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE DEFINITIVA. DIREITO À REFORMA COM REMUNERAÇÃO CALCULADA COM BASE NO GRAU HIERARQUICAMENTE IMEDIATO. 1. Consoante o entendimento jurisprudencial desta Corte, o militar portador do vírus HIV tem o direito à reforma, ex officio, por incapacidade definitiva, com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente imediato, independente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS. 2. Não tendo a parte agravante apresentado qualquer argumento capaz de abalar os fundamentos da decisão agravada, ela deve ser mantida. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (STJ, 5ª. T, AGRESP 201000444115, REL DES CONVOCADO TJ/RJ ADILSON VIEIRA MACABU, DJE 4/8/2011 DTPB).

..EMEN: ADMINISTRATIVO. MILITAR. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE DEFINITIVA. GRAU DE DESENVOLVIMENTO. IRRELEVÂNCIA. DIREITO À REFORMA COM A REMUNERAÇÃO CALCULADA COM BASE NO GRAU HIERARQUICAMENTE IMEDIATO. 1. A agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental. 2. "Segundo o entendimento firmado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, o militar portador do vírus HIV tem o direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, com a remuneração calculada com base no posto hierarquicamente imediato, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS." (AgRg no Ag 771007 / RJ, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ 05.05.2008) 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento. ..EMEN: (STJ, 6ª. T, AGA 200801592995, REL DES CONVOCADO TJ/RS VASCO DELLA GIUSTINA, DJE 3/8/2011DTPB).
Nesse prisma, a tese defensiva da Ré, acerca de a legislação não poder ser aplicada em favor do Autor no caso concreto (fl. 62), não merece prosperar, uma vez que a sua situação de adéqua perfeitamente à norma legal.
A parte autora postula, ainda, a condenação da Ré ao pagamento de indenização a título de dano moral que, por sua definição, pode ser compreendido na clássica lição de WILSON MELO DA SILVA, a seguir transcrita:
Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico. 
Jamais afetam o patrimônio material, como o salienta DEMOGUE. E para que facilmente os reconheçamos, basta que se atente, não para o bem sobre que incidiram, mas, sobretudo, para a natureza do prejuízo final. [in O Dano Moral e a sua Reparação, Ed. Revista Forense, RJ. 1955].
Nesse sentido, a indenização do dano moral vem sendo apreciada pela Doutrina e Jurisprudência, cabendo lançar mão dos ensinamentos do Prof. RUI STOCO:
 [. . .] 
O indivíduo é portador de dois patrimônios: um objetivo, exterior, que se traduz na riqueza que amealhou, nos bens materiais que adquiriu; outro, representado pelo seu patrimônio subjetivo, interno, composto da imagem, personalidade, conceito ou nome que conquistou junto a seus pares e projeta à sociedade.
Ambos são passíveis de serem agredidos e, portanto, indenizáveis conjunta - ainda que em razão do mesmo fato - ou isoladamente. [in Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 3ª Ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, págs. 542/543].
Como se verifica, o dano moral é indenizável e a União responde pelos danos causados. Ocorre, no entanto, que o dano moral alegado pelo Autor não restou caracterizado, pois a despeito de sua dispensa militar, o Requerente não demonstrou ter sofrido qualquer dano em seu patrimônio ideais, permanecendo ileso o seu "patrimônio subjetivo, interno, composto da imagem, personalidade, conceito ou nome que conquistou junto a seus pares e projeta à sociedade."
Pelas peças contidas nos autos, a Administração jamais tratou o Autor de forma desrespeitosa, não tendo sido arbitrária a referida dispensa militar, ainda que antijurídica.
 Conforme acórdão prolatado pelo Desembargador Federal FERNANDO MARQUES: 
(. . .)
- Não merece acolhida, porém, o pedido de indenização por dano moral, eis que o dano moral indenizável configura-se quando a vítima é sujeita a dor e sofrimento que extrapola, em intensidade, os níveis verificados nas relações sociais do quotidiano.
- Não devem ser incluídos neste rol os aborrecimentos naturais e inevitáveis decorrentes da vida em sociedade, sob pena de tornar banal o instituto do dano moral e praticamente impossível o convívio social. 
- No caso, a Administração aplicou interpretação própria a dispositivo de lei, que embora equivocado, não é disparatado ou teratológico. Não há provas de que o tratamento dispensado ao autor tenha sido discriminatório em relação à sua doença, nem tampouco que a Administração Militar o tenha tratado com falta de urbanidade. - Recurso parcialmente provido. (TRF2, 5ª. T, AC 200651010036740, E-DJF2R 8/11/2010 P 338/339)
Isto posto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, condenando a Ré a promover a devida reintegração do Autor e, ato contínuo, efetuar a sua reforma com proventos de 3º. Sargento, retroativa à data da sua dispensa, devendo as parcelas remuneratórias atrasadas sofrer correção monetária segundo o manual de cálculos da Justiça Federal, acrescidas de juros de 0,5% ao mês a partir da citação. Condeno a Ré, ainda, no pagamento dos honorários advocatícios de 10% do montante das parcelas atrasadas, conforme se apurar em liquidação.  
P.R.I.
Sentença sujeita ao duplo grau de Jurisdição obrigatório.
Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 2016
FIRLY NASCIMENTO FILHO
Juiz Titular da 5ª Vara Federal
(assinado eletronicamente)




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